O livro é dividido em seis partes. São 38 poemas em 57 páginas; aqui, mostramos ao leitor do site, a primeira parte com os primeiros poemas. Boa leitura.
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PARTE I: urbanos
Todos os animais humanos progridem
conforme o trânsito ininterrupto
barulhos monstruosos e grunhidos alucinantes.
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Inspiro e expiro
Inspiro o restrito arbítrio
De uma realidade obcecada.
Burocrático trânsito de autômatos,
Pecados perdidos na lamúria,
Gritos desvalidos em decadência
Jogados, no tumultuado ardor
De uma civilização angustiada.
Da sacada, os velhos observam
A falta de tempo dos jovens.
Cães presos em latidos selvagens
Vagarosamente, em apartamentos.
Se titubeia na avenida uma borboleta
Velocidade recrudescente
Do ânimo dilacerado devora,
a pressa
encravada em todas as
encruzilhadas.
Confesso, me sinto inadaptada
nessa contemplação do descuido,
Onde cada amor não retribuído
Solene, beija a porta da razão,
Como o amante não desejado…
Penetrando e invadindo o coração
Num prejuízo despido e indócil
Onde nem o vinho abastece,
O relâmpago de meus olhos
Brutal, ainda choram.
( )
expiro.
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Cidade do Medo
Burocratas de gravatas
Gravatas de seda vazia
Números intermináveis
Minhas senhas e as tuas
Códigos para o nada
Login, logout
Estou in, ou out.
Bancos de papel virtual
Dinheiro que trafega
No ar, memória do vazio
Lucro sem sentido.
Vestígios da insanidade
Nesse festim sem graça
Onde máscaras
Regurgitam falsos sorrisos.
Crédito permissivo
Débito estratégico
Drive-thru alucinado
Em um almoço engomado,
Queria poder dizer
Te amo, é pra valer
Mas falta momento de encanto
Onde o trivial é normal
E comum é ser nenhum –
Relógios contêm o tempo
Esmagado.
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Cúpula Nuclear
Segunda feira retalhada em jornais
Na espreita de um acaso do destino:
Possibilidades incríveis de terrorismo
Barbárie tecnológica.
A cidade é acordada por enigmas
Cuspida, a indispensável segurança.
Polícia no meu café da manhã
Engulo um pão e pavor
Nossos líderes(?) conversam.
Boiam notícias de específica crueldade
(Disfarces em sorrisos esparsos)
Agentes do serviço nem tão secreto
Mobilizados por armas incontroláveis
Instalam seu horror à humanidade,
Em frente à branca casa de inverdades.
Sem piedade nem honra
A rua é assaltada pelo medo.
É a cúpula nuclear que vem,
Emblemas e signos de poder
Congestionamento de ideias,
Uma seita de inadaptados.
Criam uma bomba em lixos
Atômicos e clandestinos rumores
De guerra, intolerância, e do que mais?
Um jantar de trabalho esta noite.
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Rotina
E outra vez
No meio do caminho
Vejo pés descalços, sujos pés
Desastrados, serpenteiam automóveis
No inverno.
Ignorado suplício
De quem vaga por esmola.
Onde se escondem?
Durante a noite
Criaturas sem lar.
( existem concepções tecnológicas –
nada fazem embora propaguem
slogans por toda parte )
Mantenho meu itinerário,
Perseguindo um futuro.
Nessa hierarquia do prazo,
A agenda lotada de compromissos –
Corrosiva matéria química
De uma rotina heterogênea.
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2014
Inflação acelera
(Sobre a fome, conversaremos depois)
/O outono não traz trégua /
Na minha rua um velho vagueia velho
Torto, trôpego, imerecido
Solitário ele reclama.
Ouço serras elétricas gemendo
Sempre tudo em construção,
Novas felicidades
/ Vagas flores despencam /
os vizinhos
Abarcam uma forma do vazio,
Inexiste aptidão para o pensamento.
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Cinza vulcânica
por entre a cinza vulcânica
ofuscadas notícias do ocidente
o medo é unânime, desliza e escorre
algo primitivo ainda está entre nós
nego o colapso externo
em pensamentos distraídos
amor esquecido e fugido
em três dias ele volta,
todas as ciganas invadem
sacodem em desleixo rebelde
o tráfego suspenso vacila
cancelo compromissos,
assisto à vida, posso morrer
deixo-me ler, descabida
o medo é unânime, desliza e escorre
algo primitivo ainda está entre nós
na constelação dos dissabores
esqueço-me da lua e de todo o resto
celestes científicos
teóricos e eruditos
eu vejo o futuro
afogado em gentes,
e a surpresa da praça
através de olhos vadios
vazia, de fato.
( o vulcão entrou em erupção )
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Inquietude
Ser entorpecido pelo ar da aldeia
cidade de edifícios exatamente concretos
corretos no relógio intransponível do tempo
– Eu tenho que existir!
Os lilases se perderam antes do anoitecer
não há como resgatar cores puras
Dos olhos, só névoas
Brumas acinzentadas de rodas gigantes
e monstros rodopiando na periferia do caos.
Os mares verdes-azuis têm gosto tão profundo
ah… Rebeldia urbana!